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A mãe (suficientemente) boa

Sheilla Soares

         Mãe de duas filhas de gerações distintas: uma, nascida no início dos anos 2000, a outra, em 2022, testemunhei o surgimento da “agenda da boa mãe”. A facilidade de se criar e propagar informação, bem como a ampliação do acesso a elas através da internet, e notadamente via rede sociais, propiciou a criação de um universo tão bonito quanto irreal: o das prescrições para a criação de filhos.


A máxima que move as redes sociais como Instagram e Tik Tok e que mexe com a psique humana, a saber: a validação, acabou por atuar tão fortemente na cabeça das mães, que estas não agem se sua ação não tiver sido validada pelas tantas gurus da criação de filhos. A “agenda da criação de filhos”, com todos os seus “pode” e “não pode”, acabou por tirar das mães a autonomia de decisão e ação, em função da sua criança, que é única, e em função do seu projeto familiar, que é íntimo e exclusivo.

Com efeito, o que era outrora assunto íntimo de cada família, tornou-se objeto de “manuais da boa mãe”, que mais se parecem relatórios preliminares e apressados do que diretrizes concretas sobre o que é criar filhos fortes, capazes e prontos para enfrentar o mundo exterior, para além da proteção materna.

Dado esse contexto, é válido e pertinente resgatar a contribuição científica que o pediatra e psicanalista britânico Donald Woods Winnicott faz sobre o que é ser uma mãe (suficientemente) boa:


            “A adaptação materna, num primeiro momento absoluta, deve rapidamente se tornar relativa: a capacidade de introduzir um distanciamento adaptado, então progressivo, entre a necessidade da criança e a satisfação das mães, caracteriza a ´mãe suficientemente boa´. Esse distanciamento, que gera frustração, obriga a criança a paliar as deficiências da mãe pela sua atividade mental, que transforma o ambiente suficientemente bom em um ambiente perfeito. Trata-se de um sistema interativo: a mãe tenta não introduzir no universo do bebê complexidades que ultrapassam sua capacidade de compreensão e admissão, assegurando a falha gradual de adaptação, à medida que o bebê consegue compensar seus fracassos relativos pela sua atividade mental ou compreensão.


[...] Podemos então supor que um alto potencial intelectual é estimulado por um ambiente favorável, isto é, cheio de frustrações progressivamente adaptadas, que introduzem sempre uma margem nova a ser superada pela criança pelo jogo de pensamento [...] Este ambiente favorável implica a existência do pai na mente da mãe, retirando investimentos maternais desnecessários desejados por ela. [...] Winnicott supõe, por exemplo, que uma mãe que tarda a assegurar a falha gradual da adaptação pode ter um bebê e posteriormente um jovem de baixo QI. Aqui vemos a ilustração do efeito potencial de uma mãe ´boa demais´.”

Fica claro, a partir da citação acima, que a boa mãe reage aos seus instintos maternos superprotetores, e deixa o filho florescer a partir da adversidade, da frustração.


O homem sobrevive e perpetua sua espécie no tempo e no espaço porque aprendeu a agir contra a sua natureza, a usufruir da sua cognição superior em relação aos outros animais, colocando à frente de seus instintos a razão.


É a racionalidade da mãe que faz crescer um filho forte. É a racionalidade da mãe que a faz reagir a tantas prescrições falaciosas online sobre o que é ser uma boa mãe. 


 

Sheilla Soares

Colunista

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